UM OUTRO TEMPO
A notícia de que, nas escolas, as disciplinas de
Português e Filosofia iriam deixar de ter provas nacionais obrigatórias
trouxe-me imediatamente à lembrança, por oposição, o reinado de D. Dinis I.
Porque aquela notícia representa, de certo modo, o toque final na destruição de
um edifício que o sexto rei de Portugal começou a construir — com a sua própria
acção como poeta, com a adopção da língua portuguesa para a redacção dos
documentos da chancelaria régia e com a criação e protecção da primeira
universidade: ou seja, o edifício de uma cultura portuguesa. Aparentemente,
esse edifício já não interessa, portanto há que demoli-lo para construir no seu
terreno um banco ou um prédio de escritórios.
Enfim, esses são contos largos. Atentemos, antes,
nesse reinado de D. Dinis, porque, embora atravessado por duas guerras civis e
outros contratempos, foi um tempo que, pelo menos visto a esta distância, é
magnífico.
Em primeiro lugar, um tempo de construção e
consolidação. Os primeiros reis, de Afonso Henriques a Afonso III, cada um à
sua maneira, melhor ou pior, da forma que souberam ou puderam, esforçaram-se
por lançar os alicerces: alargando o território, cuidando de o povoar,
dando-lhe (mérito de Afonso II) uma coerência jurídica, chamando (mérito de
Afonso III) os concelhos a participar na acção política. Quanto a D. Dinis,
surge-nos como, passe o termo, uma «síntese» dos reis anteriores, na medida em
que um dos traços mais notáveis da sua acção foi ter conseguido fazer executar
boa parte das leis que os seus antecessores tinham concebido e assinado, mas
que não tinham sido aplicadas, por oposição do clero ou da nobreza, consoante
os interesses atingidos. A isto, acrescentou ele uma intervenção decisiva em
todos os sectores da vida do reino — apesar de lhe terem posto o cognome de
«Lavrador», a agricultura não foi, nem de longe, o único campo que mereceu a
sua atenção. Teve ainda a inteligência e a abertura espiritual necessárias para
proteger os Templários portugueses e criar para eles a Ordem de Cristo, que
veio a desempenhar o papel que todos sabemos.
Finalmente, como foi bom nós termos conhecido um
período histórico, recuado embora, em que o chefe do Estado português gozava de
tão grande prestígio internacional! «Os namorados que trovam de amor / todos
deviam grão dó fazer / e não tomar em si nenhum prazer / porque perderam tão
bom senhor / como el-rei D. Dinis de Portugal», escreveu, à morte do monarca,
um poeta leonês. Era uma época em que os trovadores e segréis peninsulares
sabiam todos versejar em galego-português, língua que dominava então a poesia
ibérica. Mas para quem achar que não conta a opinião dos poetas, considere-se,
antes, a opinião dos políticos: no Verão de 1304, D. Dinis passou a fronteira,
com a rainha D. Isabel e uma brilhante comitiva, para, a pedido dos reis de
Castela e Aragão, servir de juiz numa questão que opunha os dois reinos. E a
sua sentença foi imediatamente aceite por ambas as partes.
Sim, foi um reinado não isento de sobressaltos, mas
cheio de vigor, inteligência e prestígio. Um tempo magnífico. Infelizmente, já
bastante remoto…
João Aguiar
Inscrição na entrada do castelo de MELGAÇO |