sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

EXERCÍCIOS - Scraperboard

Pistia stratiotes
É um género botânico, pertencente à família Araceae.
Lápis de cor sobre Scraperboard 15X23cm

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA - 14


UM SIMPLES SOLDADO

Este mês, a nossa viagem na História leva-nos a França e ao ano de 1918. Foi, como se sabe, o último da I Guerra Mundial, mas não foi menos sangrento do que os anteriores.
Portugal entrara oficialmente no conflito, contra os impérios centrais, em 1916; porém, na Europa — pois que em África houvera já escaramuças com tropas alemãs —, o envio do Corpo Expedicionário Português (CEP) só se concretizaria em finais de Janeiro de 1917. Não vou aqui analisar a fundo os motivos que levaram o Governo português de então a fazer alinhar o país com um dos blocos beligerantes; regra geral, aponta-se como principal razão a necessidade de poder defender o império colonial, sobretudo Angola e Moçambique; pela minha parte, e embora não recusando a validade dessa perspectiva, suspeito que, a complementá-la, estaria o desejo da República, então ainda muito recente mas já precocemente debilitada, abalada por dissensões internas, por uma grave instabilidade e sérias provações económicas e financeiras, de encontrar uma forma de minimizar esses problemas contrapondo-lhes um projecto nacional, mobilizador, que concentrasse interesses e atenções.
Para o caso em apreço, isso não interessa, de resto. O «caso» em apreço é um só homem, um jovem camponês transmontano de vinte e dois anos, nascido em Valongo, concelho de Murça, a quem tinham vestido um uniforme e incorporado no Regimento de Infantaria 19, de Chaves. Chamava-se Aníbal Augusto Milhais; ficaria, porém, na História sob o nome de Soldado Milhões.
O rapaz embarcou para França a 23 de Maio de 1917. Não sabia, evidentemente, que embarcava para um destino histórico — e lendário, já que os relatos das suas proezas divergem em vários pontos. Do que não há dúvida é que Aníbal Milhais entrou na galeria dos heróis portugueses durante a batalha de La Lys, a 9 de Abril de 1918.
Com este nome designa-se o combate do primeiro dia da grande ofensiva alemã contra a 2ª Divisão do CEP, como parte da «Operação Georgette», lançada pelo 6º Exército alemão do general Ludendorff. Foi nesse combate que Milhais ganhou o seu nome de honra: a bravura que mostrou foi tal que o seu comandante, o major João Ferreira do Amaral, o abraçou e lhe disse: «Chamas-te Milhais, mas vales milhões!». E o «Milhões» ficou.
Três meses depois, em Julho, o Soldado Milhões tornava-se definitivamente célebre: no campo de Isberg, sozinho, empunhando a sua metralhadora Lewis, cobriu e protegeu a retirada dos seus camaradas portugueses e de soldados escoceses. Consta que se houve de tal forma que os alemães pensaram estarem a enfrentar toda uma unidade inimiga. Em consequência — coisa muito rara — recebeu a Torre e Espada no próprio campo de batalha, das mãos do general Gomes da Costa. A esta distinção seguir-se-ia a Cruz de Guerra, a Cruz de Leopoldo da Bélgica e muitas outras.
Nada disto impediu que mais tarde, em 1928, o herói emigrasse para o Brasil, para ver se conseguia sustentar os filhos: uma pátria agradecida NÃO velava por ele… porém, os portugueses residentes no Brasil abriram uma subscrição a seu favor, para que pudesse viver dignamente no seu país. E Milhões regressou a Portugal. Dedicou-se uma vez mais à lavoura, o seu ofício de sempre; e veio a falecer em 1970.
Teve honras militares; fizeram-lhe um monumento. Mas eu penso, humildemente, que é preciso algo mais: manter viva a sua memória. Não temos assim tantos como ele para nos darmos ao luxo de esquecer.
João Aguiar


sábado, 2 de fevereiro de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA - 13


O QUE FALTAVA DIZER

Não é a primeira vez que, nestas crónicas, abordo a revolução de 1383 – 1385. Aliás, a crónica do mês passado focava um assunto que lhe está muito próximo, isto é, a batalha dos Atoleiros. Ora, se volto à mesma época e a um tema já referido anteriormente, é por duas razões; primeira, nunca é demais recordar um facto tão importante e que tende a cair no esquecimento; 1383 deveria ser recordado, pelo menos, com o destaque dado ao 25 de Abril de 1974. Segunda razão: faltava ainda dizer-vos qualquer coisa — o significado europeu, e mesmo mundial, do que ocorreu durante aqueles dois anos dos finais do século XIV.
Às vezes, temos uma visão mais nítida do nosso país quando o olhamos com os olhos de um estrangeiro. É o que se passa neste caso em relação a um autor pouco conhecido, o francês Dominique Lelièvre, autor de um livro que passou quase desapercebido: «Mer et Révolution». A maior parte desta obra não nos traz propriamente novidades, mesmo porque, na sua maioria, as fontes são portuguesas (a começar pelo incomparável Fernão Lopes). Porém, ao introduzir o assunto do seu livro perante os leitores, o autor faz algumas considerações que, regra geral, os meus compatriotas (aqueles, bem poucos, que conhecem o assunto) nunca fazem, nem lhes entra sequer na cabeça.
É assim que Dominique Lelièvre faz notar que os portugueses «foram os únicos na Europa a conseguir com êxito, à escala de uma nação, uma “revolução burguesa” (1383 – 85)». E, mais adiante, acrescenta: «Se o caso de Portugal é único, não é por isso menos exemplar, tanto pela vitória conseguida pelas armas com uma táctica tipicamente “burguesa” já experimentada na Flandres perante os orgulhosos senhores franceses, como pelos avanços sociais, mesmo que estes hajam sido minimizados ao longo dos decénios seguintes. Desta “revolução burguesa”, cujo primeiro mérito é o seu êxito, nasce uma nova dinastia que levará Portugal ao firmamento dos países descobridores. Estes acontecimentos revolucionários mereciam ser conhecidos e reconhecidos».
Conhecidos e reconhecidos: é isso o que faz falta. Tanto a nível internacional como (em primeiro lugar) a nível nacional. Na Europa, o século XIV, tempo de transição, foi fértil em levantamentos populares, motins e revoltas. De todos esses tumultos, os mais conhecidos foram as «jacqueries», em França. As classes populares queriam libertar-se do jugo da nobreza, os burgueses queriam um lugar ao Sol. Mas, nesse século XIV, tais movimentos acabaram por ser todos esmagados; serviram de prelúdio à futura transformação e nada mais. Excepto em Portugal. Aí — ou melhor, aqui — a revolução venceu; e venceu (o que é muito importante) de um modo «operacional», isto é: foi possível encontrar um novo equilíbrio. De modo revolucionário, contra toda a tradição, elegeu-se um novo rei para que iniciasse uma nova dinastia. O povo reclamou ao Mestre de Avis que os ricos pagassem taxas, fintas e talhas, tal como os pobres pagavam. Os mesteirais passaram a estar representados no governo municipal de Lisboa e outras cidades. O conselho régio deixou de ser somente formado por nobres e membros do alto clero: os letrados falavam agora mais alto.
Não tenho espaço, evidentemente, para enumerar as mudanças trazidas pela revolução. O que importa, repito, é que, na ideia de um escritor não português, esta revolução é um caso único e exemplar.
O que é inteiramente correcto. Mas nós, os descendentes de toda aquela gente que fez a revolução de 83 – 85, teremos acaso uma opinião sobre o assunto? Saberemos, sequer, de que é que se trata?
É uma dúvida, no mínimo, angustiante.
João Aguiar