O BISPO GUERREIRO
A ideia não seria nova nem original se a nossa visita
histórica deste mês tivesse por destino a Idade Média: nessa época, havia
prelados aguerridos — os arcebispos de Braga, por exemplo, eram grandes
senhores que tinham a sua mesnada e um deles, D. Lourenço Vicente, foi mesmo
ferido na batalha de Aljubarrota.
Mas isto, sem ser coisa inaudita, já era bem menos vulgar
no século XVII. E é na transição do século XVI para o XVII que vamos encontrar
D. Marcos Teixeira, que foi cónego da Sé de Évora e bispo da Baía e que, nesta
segunda função, e já no final da sua vida, assumiu, com inesperado brilho, um
comando militar.
Hoje, a personalidade de D. Marcos Teixeira surge-nos com
a sombra de ter estado ligado à Inquisição, o que não é recomendação para
ninguém, mas há que contar com a mentalidade da época e a educação que decerto
recebeu… de qualquer forma, o que interessa, para o nosso caso, é que em 1621,
já nada — mesmo nada — jovem, foi feito bispo da Baía. Temo-lo, pois, no
Brasil, onde, por vias do seu temperamento, entra em conflito com o governador,
Diogo de Mendonça Furtado.
Mas outros acontecimentos vêm sobrepor-se a estes atritos.
Em 1624, dá-se a primeira invasão holandesa da Baía, lançada por uma poderosa
armada comandada por Jacob Willekens. O governador português tomou as medidas
que considerou possíveis, embora tivesse poucos meios; foi, porém, impossível
resistir ao ataque, efectuado a 9 de Maio; a cidade rendeu-se e o próprio
Mendonça Furtado tornou-se prisioneiro dos holandeses.
Na véspera, porém, o bispo D. Marcos Teixeira fugira da
Baía e fora refugiar-se na aldeia do Espírito Santo, onde se concentraram
outros portugueses que viviam na região. Havia instruções seladas contendo o
nome do substituto do governador, caso este ficasse incapacitado; abertas essas
instruções, viu-se que o sucessor designado era Matias de Albuquerque,
governador de Pernambuco (e futuro general da Guerra da Restauração). Porém,
Matias de Albuquerque estava longe e a situação na região da Baía era demasiado
grave; assim, os moradores do Espírito Santo, reunidos em assembleia,
escolheram, por aclamação, o seu bispo como governador provisório.
Talvez nenhum deles tenha medido todo o alcance desta
decisão. Assim que foi nomeado, D. Marcos mostrou bem de que metal era feito:
organizou o governo e, sobretudo, organizou, com grande eficiência e
entusiasmo, a resistência. Escolheu, acertadamente, a táctica da guerrilha e
com ela bloqueou completamente os holandeses. Estes dominavam a Baía,
instalavam-se nas casas, profanavam as igrejas; mas não podiam ir além do
perímetro urbano, excepto a poder de sortidas que lhes saíam caras: assim, numa
dessas sortidas, morreu o seu comandante, o coronel Van Dorth, e, a seguir, o
seu substituto, Albert Schouten. Entretanto, o octogenário D. Marcos comandava
pessoalmente a resistência e trabalhava nas fortificações. Em breve a situação
dos ocupantes da Baía se tornou insustentável. Aliás, viriam a render-se no ano
seguinte, quando chegou uma esquadra da Europa, com a missão de os desalojar.
No entanto, o grande trabalho fora executado por D. Marcos
Teixeira, ao longo do segundo semestre de 1624. Por fim, esgotado pelo esforço
físico e pelas exigências do seu posto, o velho bispo entregou o governo a
Francisco Nunes de Eça e morreu pouco depois. Mas a memória ficou: sem ele,
talvez a Baía não falasse português…
João Aguiar
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