Não nos cairá
bem vermos um senhor de cinquenta ou sessenta anos empoleirado num skate
fazendo habilidades; estará no seu direito e não virá mal ao mundo por causa
disso, mas enfim, espera-se dele uma outra maturidade. Porém, muito mais chocante
ainda, no meu humilde entender, é ver um jovem comportar-se e, sobretudo,
pensar como um senhor de cinquenta ou sessenta anos. Ora, é isto, mais ou
menos, o que me parece ver quando leio certos trabalhos de certos jovens
historiadores portugueses que escrevem e pensam agarrados a conceitos que estão
mais datados do que a própria História.
Esta crónica
não pretende ser uma crítica e ainda menos um ataque pessoal, de modo que não
citarei nomes — que, de resto, não interessam para o caso; em contrapartida, é
forçoso que cite exemplos. Assim, num (aliás, bem documentado) trabalho
relativo à batalha de Aljubarrota, encontrei a noção de que as causas do
conflito seriam, na sua essência, ligadas à luta de classes — e nada mais; e
num outro trabalho, de outro autor igualmente bem documentado, versando as
batalhas navais de Chaul (1508) e Diu (1509), deparei com a afirmação
definitiva, direi mesmo dogmática, de que, excepto talvez no caso da tomada de
Ceuta, as causas da expansão portuguesa se resumiriam, muito simplesmente, à
furiosa fome do lucro; não está escrito dessa maneira, mas é esse o claro
sentido.
Ora bem. Eu
conheço e rejeito a visão histórica que o velho Estado Novo nos impingiu
durante meio século. Longe de mim acreditar ingenuamente que Portugal inteiro
estava, como nação em armas, no campo de Aljubarrota; ou que partimos para o
império imbuídos somente de ideais puros e o sonho de dar novos mundos ao mundo
e aumentar a pequena Cristandade (noção que hoje, aliás, seria de validade
altamente discutível, sobretudo se o aumento fosse feito pelas armas). Mas
também sei que, se é verdade que essa visão está de todo ultrapassada, também o
está a visão puramente «classista» e economicista da História, que é
manifestamente incompleta. Deixou, há muito, de fazer sentido considerar apenas
a luta de classes e a economia como motores do devir histórico. Motores únicos,
entenda-se. Porque nem o homem nem o comportamento humano podem ser reduzidos
estritamente a tais factores.
Se assim
fosse, e para considerar os dois exemplos referidos, não haveria em
Aljubarrota, no exército de D. João I, um só membro da alta nobreza; e, entre
os portugueses integrados no exército de Castela, só haveria, estritamente,
grandes nobres, desprovidos da sua peonagem e outros acompanhantes e
auxiliares. Do mesmo modo, no exemplo imperial, a coroa portuguesa teria
abandonado, sistemática e rapidamente, as praças que não lhe rendiam sólidos
metais, aquelas onde só se consumiam cabedais e vidas, sem proveito. Ora,
sabemos que isto não é verdade — e este não ser verdade contribuiu para que,
apesar das inegáveis rapinagens, saques e outras tropelias, terminássemos o
ciclo imperial praticamente tão pobres como quando o começámos.
Em ambos os
exemplos, houve, parece-me, algo mais do que um motivo único. A análise desse
«algo mais» é, de resto, uma das matérias mais interessantes da pesquisa
histórica. E não entendo como há gente, gente nova, que se mantém agarrada à já
velha noção reducionista, que, além de ignorar os factores psicológicos, a mentalidade
e os valores das várias épocas, se encerram numa torre feita de inenarrável
secura e inenarrável tédio.
João
Aguiar
Mosteiro da Batalha |
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