sábado, 11 de dezembro de 2010

“MANCHAS E TRAÇOS” “LUZ E SOMBRA”

Esta exposição também poderia chamar-se, com menor elegância porém maior exactidão, «É assim que eu quero e gosto». Ou então: «Um grito», desde que ficasse esclarecido que o grito é tranquilo, nada dramático e ainda menos doutrinário.
Agora, a explicação. Desde muito novo, Joaquim de Sousa mostrou queda e talento para as artes plásticas, especialmente o desenho e a pintura. Nessa época, foi-lhe negada a possibilidade de estudar e de se treinar nessa área; restou-lhe a prática «selvagem», o desenho e a pintura sem bases nem mestre.
A história não podia acabar aqui. Há largos anos, o poeta Vasco de Lima Couto disse dele: «O Quim é uma força da Natureza». Tinha razão e a Natureza só é domada na aparência. Daquelas primeiras tentativas, na sua maioria ingénuas e quase toscas, começaram a surgir composições (desenhos a tinta-da-china,  sobretudo) que, estranhamente, superavam a falta de aprendizagem e mostravam um valor intrínseco a par de uma grande sensibilidade. O tempo e a vida abriram-lhe, depois, uma porta, com o início de uma carreira como gráfico publicitário, à qual se juntou posteriormente a actividade (arte e técnica) da paginação. Enfim, tornou-se também ilustrador e neste domínio tem trabalhos de qualidade notável.
Mas, notar-se-á, em todas estas «aproximações» à pintura houve sempre um factor comum: a disciplina imposta pela actividade profissional, pelo próprio tipo de trabalho a executar. Tal disciplina expressava-se em limitações ao tema, ao traço, à cor, à fantasia.
Há uns anos atrás, soou, discretamente e sem fanfarras, a hora da quebra das correntes. Discretamente e sem fanfarras, ele pôde estudar desenho e pintura. Adquirir técnica e prática sob supervisão e orientação. E, digerindo toda essa aprendizagem, começou, enfim, a pintar o que queria. Aquilo de que gostava. Mas — é aqui que está a sua mensagem: sem pretender transmitir qualquer mensagem. Sem se submeter a obsessões, nem a correntes definidas; sem pensar no seu lugar na História. Sem se arrogar o problemático estatuto de génio incompreendido. Assumindo a saudável, preciosa liberdade de ouvir exclusivamente a sua vontade, o seu gosto e a ideia que lhe aparece sem explicações eruditas e complicadas.

Por isso, Joaquim de Sousa passa, sem transição, da paisagem e da natureza morta ao abstracto. Do formalmente convencional ao simbólico. Da luz misteriosa e da transparência do vidro ao retrato de uma flor, passando pela pirâmide iniciática — porque, atenção, ele não exige à pirâmide que à partida seja iniciática, somente que seja bela e se ajuste ao ambiente criado.
Somos nós, observadores, que lemos a iniciação. A mensagem só toma forma quando nos chega. E é certamente diferente para cada um de nós. E esse é o segredo.
João Aguiar


J. Sousa - Flor de anis - Grafite sobre papel

4 comentários:

  1. Joaquim, boa noite,
    A sua mensagem de hoje deixou-me sem palavras, mas lá diz o ditado "As palavras são de prata, mas o silêncio é de ouro".
    Bjs.
    Antónia

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  2. OLá voltei e acho que este desenho está óptimo

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  3. Joaquim, ao ler este pequeno texto, vi e ouvi nitidamente o João a falar.
    Lembro-me de estar convosco numa exposição sua em Oeiras e de ele ter empregue algumas destas palavras.

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  4. Olá, boa noite Quim,

    está a ajudar-me a descobrir e a contemplar com olhos (mais) abertos o mundo que nos rodeia (o mundo de que fazemos parte). Uma aprendizagem maravilhosa! Sempre de novo. Obrigada!

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