«A EUROPA IMITARÁ
PORTUGAL»…
Quem escreveu
isto não foi um daqueles patriotas
furiosos que já estão fora de moda. O autor destas linhas foi o muito celebrado
escritor e pensador francês Victor Hugo: «Felicito a vossa nação. Portugal dá o
exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará
Portugal».
Com certeza,
alguns leitores já sabem do que se trata e também saberão, portanto, aonde nos
leva esta viagem na História: ao reinado de D. Luís I, mais exactamente a 1 de
Julho de 1867, data da abolição da pena de morte em Portugal. Victor Hugo terá
levado algum tempo a saber disto, porque, ao que parece, as suas palavras
entusiastas datam de 1876, mas não importa.
Na realidade, a
lei de 1867, integrada na Reforma Penal que nesse ano entrou em vigor, era o
remate de um processo começado havia muito. No reinado de D. Maria I, deixara
de se aplicar a pena de morte a mulheres — a última foi executada em 1772 e o
crime era gravíssimo. Depois, nos princípios do século XIX, Ribeiro dos Santos atacou
a pena de morte num artigo publicado na imprensa. Enfim, em Março de 1852, no
reinado de D. Maria II, a Câmara dos Deputados aprovou o Artigo 16º do Acto
Adicional à Carta Constitucional, que abolia a pena de morte para crimes
políticos — mas note-se que tal pena não era aplicada desde 1834.
A lei de 1867
era, pois, a sequência lógica do processo: abolia a pena capital para todos os
crimes civis. Acrescente-se que a pena se manteve no foro militar, mas, em
1874, quando um soldado de Infantaria assassinou um alferes, acabou por ser
condenado a prisão perpétua, apesar de ter havido polémica sobre o assunto. A
pena capital para crimes militares (deserção, traição) só viria a ser
definitivamente abolida (tanto quanto estas coisas são definitivas…) em 1976.
No entanto, mais uma vez, não há notícia confirmada de execuções excepto uma
referência, segundo parece não muito segura, ao período da Primeira Guerra
Mundial, quando teria sido executado um soldado do Corpo Expedicionário
Português em França.
A questão da
pena capital é, evidentemente, complexa e as respostas não são imediatas.
Pessoalmente, admito, inclino-me bem mais para a abolição total do que para
qualquer outra solução, embora haja casos em que eu, como qualquer um de nós,
penso: «Aquele(a) grandíssimo(a) … precisava era de forca!». São casos muito,
muito especiais.
E assim,
considero que é motivo de orgulho termos abolido a pena de morte em 1867.
Segundo uma consulta (breve, admito) que fiz, só a Venezuela nos terá
precedido, em 1863; a seguir foi a vez da Holanda, em 1870, e a da Costa Rica,
em 1877.
Estranho, não
é, que as grandes potências, as luminárias dos povos, os grandes fachos da
civilização não estejam à nossa frente?! Aliás, o grande Império Americano, tal
como o reemergente Celeste Império, não querem nada com a abolição da pena
capital.
São concepções
diferentes. Mas eu, que prevejo, ante o aumento de criminalidade de que
sofremos, um bem possível (e digamos: necessário, mesmo inelutável) agravamento
de penas, formulo a esperança de que saibamos manter a medida justa. E nos
lembremos de que nem o Estado Novo ousou restabelecer a pena de morte.
João
Aguiar
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