A RESTAURAÇÃO ESQUECIDA
Penso que todos os portugueses, mesmo os mais
distraídos e os mais ignorantes, sabem em que consistiu a Restauração e até lhe
conhecem a data, mesmo porque é feriado nacional. Porém, convido-vos hoje a
viajar até ao início do século XIX, para evocarmos uma outra restauração,
talvez menos espectacular e não tão bem sucedida, mas que, mesmo assim, merece
um lugar na nossa memória.
Vamos, pois, até aos princípios do Verão de
1808. No últimos meses do ano anterior, um exército napoleónico comandado pelo
general Junot ocupara Portugal e a família real portuguesa embarcara para o
Brasil. Quem governava o reino, agora, era Junot e podemos calcular que não o
fazia com grande (ou pequeno) carinho ou respeito pelos Portugueses. Aliás, a
diplomacia delirante de Napoleão previra o desmembramento do país em três
partes, como bolo cortado em três fatias.
Pois bem, no início de Junho de 1808 o Porto
sublevou-se — e, como um rastilho, a revolta espalhou-se, praticamente, a todo
o país. O general Manuel Gomes Sepúlveda, governador das armas de
Trás-os-Montes, lançou-se na resistência com a maior energia, apesar dos seus
setenta e três anos: em Bragança, fez aclamar o príncipe regente, D. João
(futuro D. João VI), criou uma junta governativa, mobilizou os trasmontanos,
formou regimentos de milícias; o movimento espalhou-se pelo Minho, e cobriu,
assim, boa parte do Norte: Braga, Barcelos, Guimarães, Viana, Melgaço, Chaves.
O general Loison, o tristemente famoso «maneta», que cometeu terríveis
atrocidades, tentou avançar sobre o Porto mas foi cercado em Mesão Frio e
retirou para Almeida, fazendo sempre sangrentas tropelias; e a revolta chegou a
Aveiro, a Coimbra, à Figueira da Foz.
Mosteiro de Alcobaça - Nave central |
Também o Alentejo se levantou contra o
ocupante; e no Algarve o primeiro brado foi ouvido em Olhão: a 16 de Junho era
aclamado aí o príncipe regente e em Faro o general francês Maurin recebia voz
de prisão, ao mesmo tempo que os restantes franceses eram expulsos. Foi então
que um certo Manuel Garrocho, marinheiro de Olhão, decidiu, loucamente,
meter-se com os companheiros no seu pequeno caíque Bom Sucesso e ir até ao Brasil, nada mais nada menos, para informar
o regente de que Portugal estava a expulsar os invasores — e o mais
extraordinário é que conseguiu lá chegar.
Como evoluiu esta restauração do reino? Não
tão bem como a outra, é verdade. Mas também será verdade que, pelo menos numa
fase inicial, terá facilitado bastante o trabalho às tropas inglesas que
desembarcaram pouco depois em Portugal e que, apoiadas por unidades portuguesas,
viriam a derrotar as forças de Junot na Roliça e no Vimieiro. Essas duas
batalhas puseram termo à primeira invasão francesa; e assim, a restauração de
1808 foi, de facto, vitoriosa e efectiva.
Como sabemos, houve mais duas invasões
napoleónicas e, tanto sob o ponto de vista militar como político, as coisas não
foram simples e ao povo português estavam ainda reservados muitos sofrimentos.
Isso, porém, não impede que esta restauração mereça fazer parte da nossa
memória — e, com ela, o nome do general Sepúlveda. De que ninguém fala — o que
é, no mínimo, lamentável. Mas já nos vamos habituando: não é um futebolista…
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