domingo, 14 de abril de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA - 21


VIAGEM A MARIALVA

Entenda-se: não me refiro à povoação. Esta viagem é ao mundo histórico dos marqueses de Marialva. Confesso que o uso do termo «marialvismo» e da palavra «marialva» como substantivo comum (muitas vezes, mesmo, como adjectivo) começou a intrigar-me a partir do momento em que, por curiosidade e às vezes por necessidade, pesquisei, ainda que superficialmente, as vidas dos seis marqueses de Marialva.
Toda a gente sabe — mais ou menos — o que são o marialvismo e os marialvas: copos, estúrdia, machismo, mulheres «de má nota», touradas, cavalos, ócio, fidalguismo estéril, etc. Ora, quando eu, ingenuamente, fui à procura disto no 1º marquês de Marialva, D. António Luís de Menezes, encontrei, antes, um herói nacional: conspirador de 1640, general brilhante durante a Guerra da Restauração (vencedor nas Linhas de Elvas e em Montes Claros, etc., etc.) e um dos plenipotenciários portugueses nas negociações do Tratado de Madrid (1668), que pôs termo à guerra com a Espanha. Passei ao 2º marquês, depois ao 3º… para abreviar: só no 4º marquês de Marialva, D. Pedro José de Alcântara Menezes Noronha Coutinho, é que fui encontrar um «toque» de marialvismo, porém muito distorcido: este 4º marquês foi, simplesmente, um dos melhores cavaleiros europeus do seu tempo; tanto assim que à boa equitação se deu o nome de «arte de Marialva». Mas D. Pedro José (etc.) não se limitou aos cavalos, também foi sócio da Academia Real das Ciências, o que parece indicar que tinha outros interesses. E nada disto, equitação incluída, é propriamente marialvismo, no sentido negativo. Dos outros marqueses de Marialva, o 2º e o 3º combateram na Guerra da Sucessão de Espanha; e todos os seis foram militares. O 6º, que morreu solteiro e sem filhos, foi também diplomata. Ponto final. Em que ficamos?
Sem pretensões de defender tese histórica, eu acho, timidamente, que a culpa de tudo pertence a Júlio Dantas. Que resolveu escrever uma peça de teatro sobre a vida da famosa Maria Severa, fadista bonita (e de «má nota») que viveu entre 1820 e 1846.
A Severa fora — toda a Lisboa o sabia — amante do 13º conde de Vimioso, D. Francisco de Paula de Portugal e Castro. E este, sim: era aquilo a que se chama hoje um «marialva»: ócio, touros e cavalos (admita-se que nesse campo era muito destro e valente), copos, faduncho, boémia, inutilidade, machismo, enfim, todo o programa do «marialvismo» decadente. Uma pena, já que a casa de Vimioso dera ao país gente muito ilustre, pelo menos até ao 7º conde, D. Miguel de Portugal.
Então, porquê «marialvas» e não «vimiosos», porquê «marialvismo» e não «vimiosismo»? Julgo que por isto: Júlio Dantas, a pedido do chefe do Governo, Hintze Ribeiro, aceitou poupar a família Vimioso. E como o último marquês de Marialva morrera em 1823, Dantas resolveu inventar um «conde de Marialva» (título que existiu, mas que se extinguiu no século XVI) e fazer dele o amante da Severa. Ora, esta peça teatral de Júlio Dantas veio a ser adaptada ao cinema por Leitão de Barros: o primeiro filme sonoro português e, na época (1930), um grande êxito de bilheteira. Estava feita a transformação de «vimioso» em «marialva». E os fados começaram a cantar os marialvas e as severas e tudo ficou consumado.
Se algum erudito me quiser dar na cabeça, com argumentos (e documentos) de peso, não me queixarei. Desde que os argumentos e documentos sejam mesmo de peso. Até lá, acho que é devida uma desculpa aos marqueses de Marialva…

João Aguiar

Joaquim Carneiro da Silva, 1727-1818
[5º Marquês de Marialva] 

1 comentário:

  1. Bem traçada sua história, e na verdade os Marqueses de Marialva, eram mesmo pouco marialvas.... Entretanto retifique a identificação da ilustração onde coloca Joaquim Carneiro da Silva como 5º Marquês deste título que comenta, posto que o 5º Marquês, foi D. Diogo José de Menezes Coutinho( 1739-1803) e Joaqu8im Carneiro da Silva não faz parte da família, e este erro desacredita seu texto. Com atenção, Helder Paraná Do Coutto.
    P.S. Dê boa nota à Severa....

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