domingo, 7 de abril de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA - 20


VIAGEM AO VENDAVAL

Serve esta viagem na História para prestar homenagem a um homem português, pouco brilhante, mas muito injustiçado. Quanto ao vendaval de que se fala aqui, inclui várias rajadas destruidoras: a Revolução Francesa e as suas consequências em toda a Europa; a invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão; a Revolução Liberal portuguesa; a independência do Brasil e, pelo meio, várias guerras. Foi isto o que o tal homem injustiçado teve de enfrentar —e muito mais ainda, por acréscimo.
O leitor já terá percebido que estou a evocar a figura do rei D. João VI. Certas historiografias — a romântica, a marxista, entre outras — têm zurzido impiedosamente este monarca. Mas os juízos que sobre ele fazem são, no mínimo, apressados. Poucos governantes, nacionais ou estrangeiros, tiveram de enfrentar um período de tantas mutações brutais, um «salto» tão fundamental na evolução social, política, económica e ideológica como D. João VI enfrentou ao longo dos 34 anos em que chefiou o Estado, primeiro em nome da sua mãe, D. Maria I, depois como regente oficialmente investido e finalmente como rei. Note-se, também, que D. João não contava, de todo, subir ao trono: o herdeiro era o seu irmão D. José, príncipe do Brasil, ao que parece com melhor cabeça e que fora cuidadosamente preparado por Pombal, mas que viria a morrer aos vinte e sete anos.
A questão é muito simples: durante o vendaval, europeu e português, a que me referi, Portugal teria necessitado de um génio e de um herói. Que pena: em vez disso, teve somente um homem sensato, honesto, bem intencionado e pacífico, ansioso por evitar conflitos e derramamentos de sangue. Ora, a esse homem, o que lhe saiu na rifa foi uma série de guerras e revoluções, uma família desunida em que se remexia uma amantíssima esposa militantemente reaccionária, um país invadido, destroçado, economicamente destruído e saqueado pelos invasores. Seria difícil fazer melhor do que ele fez, nas circunstâncias em que ocupou o trono de Portugal.
Não é possível apresentar aqui o historial do reinado de D. João VI. O que é possível — e, atrevo-me a dizer, necessário — é fazer a seguinte advertência: não devemos iludir-nos ingenuamente com o pouco brilho e a barriga do senhor, tal como os retratos o mostram. Não era um tonto que ali estava. A retirada da família real para o Brasil foi um golpe de mestre e D. João, então ainda regente, adoptou uma política extremamente subtil, mesmo maquiavélica: arranjou as coisas de modo a que, na Europa, Portugal pudesse ser considerado como «aliado» da França (por isso deixou disposições para que não houvesse resistência); ao mesmo tempo, mantinha os portos brasileiros abertos aos navios ingleses, para jogar a cartada britânica logo que o ímpeto napoleónico fosse quebrado. Nada disto era heróico, mas ele não queria heroísmo, queria, sim, acautelar a futura independência do seu povo e poupar-lhe, quanto possível, as misérias de uma guerra.
Nos conflitos que acompanharam a instauração do constitucionalismo, o rei agiu sempre no sentido de apaziguar os ânimos, de conseguir uma evolução pacífica, de promover a concórdia. Quem sabe, se não o tivessem assassinado — como parece ter sido o caso —, talvez ainda pudesse concretizar uma parte do seu sonho, um país pacificado, um povo reconciliado consigo mesmo.
Se falhou (e falhou), a culpa não foi sua. O seu grande defeito foi não ter sido um génio. Bom, mas criticar é fácil e aqueles que o têm coberto de lama também o não foram, nem são…
João Aguiar


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