segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA - 12


A PEQUENA BATALHA
A memória histórica, quando existe — em Portugal está em crise, tal como o resto —, funciona, muitas vezes, de modo profundamente injusto. Eis uma das muitas injustiças que eu poderia citar: quando se fala da revolução de 1383 – 1385, ou do Santo Condestável, salta imediatamente para a ribalta a batalha de Aljubarrota e, em termos militares, não se fala de mais nada. Ora, sem dúvida que Aljubarrota foi muito importante, foi uma batalha decisiva — mas não foi a única. Ainda deveríamos citar Atoleiros, Trancoso e Valverde. E é justamente para a batalha dos Atoleiros que queria chamar a vossa atenção.
Foi, é certo, um recontro de pequenas proporções, que, a fazer fé no cronista Fernão Lopes, teve uma curta duração. Também é verdade que não foi decisivo. Ainda assim, na minha muito humilde opinião, mereceria ter um lugar na História semelhante ao de Aljubarrota. E uma breve evocação do acontecimento bastará para explicar porquê.
D. Nuno Álvares Pereira
pórtico de Santa Maria de Belém
(Mosteiro das Gerónimos)
A batalha travou-se a 6 de Abril de 1384, perto de Fronteira, no Alentejo. A situação, nos dias antecedentes, era a seguinte: o rei Juan I de Castela estava em Santarém com o seu exército, ultimando os preparativos para cercar Lisboa; nesta cidade, o Mestre de Avis, futuro D. João I de Portugal, organizava a defesa; e no Alentejo entrara uma segunda hoste castelhana. Portanto, enquanto Lisboa se preparava para enfrentar Juan I, era preciso assegurar também a defesa do Alentejo invadido e para isso o Mestre de Avis nomeou D. Nuno Álvares Pereira (que ainda não era condestável) como fronteiro.
Nun’Álvares partiu de Lisboa e pelo caminho foi tentando engrossar a sua magra coluna. Em Estremoz passou revista às tropas: eram menos de 300 lanças, cerca de 1000 peões e 100 besteiros: muito pouco. O inimigo, que partira do Crato para ir atacar Fronteira, tinha mais de 1000 lanças e grande número de «ginetes» — isto é, lanceiros a cavalo — e muita peonagem. No comando estavam alguns grandes senhores, entre eles um irmão mais velho de Nun'Álvares, D. Pedro Álvares Pereira, prior do Hospital, que combatia por Castela.
A disparidade de efectivos era enorme. No entanto, Nun’Álvares insistiu em dar batalha, no lugar dos Atoleiros. E obteve uma vitória rápida e estrondosa. E é aqui que chegamos ao que eu queria dizer desde o princípio.
Ele venceu porque, contra a cavalaria de Castela, opôs uma espécie de «quadrado» de infantaria, em que a vanguarda estava guarnecida por lanças cravadas no solo e, logo atrás, por uma linha de besteiros e fundibulários. Os ginetes castelhanos começaram a ser abatidos por projécteis antes mesmo de chegarem ao contacto directo com o inimigo e depois os cavalos eram trespassados pelas lanças da vanguarda portuguesa. Sem entrar em pormenores: os invasores sofreram 120 baixas, os defensores nem uma só.
Ora bem: esta foi a primeira vez que tal aconteceu em Portugal. Como diz Fernão Lopes, «este Nun’Álvares foi o primeiro que da memória dos homens (…) pôs batalha pé terra em Portugal e a venceu». A táctica seria repetida em Aljubarrota e Valverde. Em Trancoso, vitória em que o Condestável não participou, também se formou quadrado — porque um dos comandantes portugueses estivera nos Atoleiros.
Se a esta estreia táctica juntarmos o enorme efeito moral produzido no campo português e o fim da invasão do Alentejo, concluiremos, penso, que esta é uma batalha a não esquecer.

João Aguiar


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