A PEQUENA BATALHA
A memória
histórica, quando existe — em Portugal está em crise, tal como o resto —,
funciona, muitas vezes, de modo profundamente injusto. Eis uma das muitas
injustiças que eu poderia citar: quando se fala da revolução de 1383 – 1385, ou
do Santo Condestável, salta imediatamente para a ribalta a batalha de
Aljubarrota e, em termos militares, não se fala de mais nada. Ora, sem dúvida
que Aljubarrota foi muito importante, foi uma batalha decisiva — mas não foi a
única. Ainda deveríamos citar Atoleiros, Trancoso e Valverde. E é justamente
para a batalha dos Atoleiros que queria chamar a vossa atenção.
Foi, é certo,
um recontro de pequenas proporções, que, a fazer fé no cronista Fernão Lopes,
teve uma curta duração. Também é verdade que não foi decisivo. Ainda assim, na
minha muito humilde opinião, mereceria ter um lugar na História semelhante ao
de Aljubarrota. E uma breve evocação do acontecimento bastará para explicar
porquê.
D. Nuno Álvares Pereira pórtico de Santa Maria de Belém (Mosteiro das Gerónimos) |
A batalha
travou-se a 6 de Abril de 1384, perto de Fronteira, no Alentejo. A situação,
nos dias antecedentes, era a seguinte: o rei Juan I de Castela estava em
Santarém com o seu exército, ultimando os preparativos para cercar Lisboa;
nesta cidade, o Mestre de Avis, futuro D. João I de Portugal, organizava a
defesa; e no Alentejo entrara uma segunda hoste castelhana. Portanto, enquanto
Lisboa se preparava para enfrentar Juan I, era preciso assegurar também a
defesa do Alentejo invadido e para isso o Mestre de Avis nomeou D. Nuno Álvares
Pereira (que ainda não era condestável) como fronteiro.
Nun’Álvares
partiu de Lisboa e pelo caminho foi tentando engrossar a sua magra coluna. Em
Estremoz passou revista às tropas: eram menos de 300 lanças, cerca de 1000
peões e 100 besteiros: muito pouco. O inimigo, que partira do Crato para ir
atacar Fronteira, tinha mais de 1000 lanças e grande número de «ginetes» — isto
é, lanceiros a cavalo — e muita peonagem. No comando estavam alguns grandes
senhores, entre eles um irmão mais velho de Nun'Álvares, D. Pedro Álvares
Pereira, prior do Hospital, que combatia por Castela.
A disparidade
de efectivos era enorme. No entanto, Nun’Álvares insistiu em dar batalha, no
lugar dos Atoleiros. E obteve uma vitória rápida e estrondosa. E é aqui que
chegamos ao que eu queria dizer desde o princípio.
Ele venceu
porque, contra a cavalaria de Castela, opôs uma espécie de «quadrado» de
infantaria, em que a vanguarda estava guarnecida por lanças cravadas no solo e,
logo atrás, por uma linha de besteiros e fundibulários. Os ginetes castelhanos
começaram a ser abatidos por projécteis antes mesmo de chegarem ao contacto
directo com o inimigo e depois os cavalos eram trespassados pelas lanças da
vanguarda portuguesa. Sem entrar em pormenores: os invasores sofreram 120
baixas, os defensores nem uma só.
Ora bem: esta
foi a primeira vez que tal aconteceu em Portugal. Como diz Fernão Lopes, «este
Nun’Álvares foi o primeiro que da memória dos homens (…) pôs batalha pé terra
em Portugal e a venceu». A táctica seria repetida em Aljubarrota e Valverde. Em
Trancoso, vitória em que o Condestável não participou, também se formou
quadrado — porque um dos comandantes portugueses estivera nos Atoleiros.
Se a esta
estreia táctica juntarmos o enorme efeito moral produzido no campo português e
o fim da invasão do Alentejo, concluiremos, penso, que esta é uma batalha a não
esquecer.
João Aguiar
Sem comentários:
Enviar um comentário