UM SOLDADINHO DE MOURA
Esta nova viagem ao passado histórico tem
como inspiração directa um facto bem recente: há muito pouco tempo, alguns
jornais, que naquele momento não tinham desgraças suficientemente sangrentas
para noticiar, resolveram dar certo relevo a uma «sondagem» segundo a qual uma
eventual anexação (ou integração, ou dê-se-lhe o nome que se quiser) de
Portugal pela Espanha agradaria a mais de metade dos espanhóis e a cerca de um
quarto dos portugueses.
Não vou comentar estes dados, porque já o fiz
em outra circunstância. E não vou, certamente, gritar contra os espanhóis
integracionistas, que, enfim, têm o direito à sua opinião. Prefiro fazer,
convosco, mais uma destas nossas viagens pela História, tendo como referência
temporal o ano de 1641, como local as proximidades de Olivença e como
protagonista, não um grande fidalgo nem sequer um grande burguês, mas antes um
homem vulgaríssimo, hoje praticamente esquecido: um soldadito nascido na vila
de Moura, chamado, muito simplesmente, Roque Antunes.
Estava-se, como a data nos indica, no início
da Guerra da Restauração. E a este Roque Antunes, deu-lhe na bolha, imagine-se,
oferecer-se como voluntário ao exército português. Conta ainda a história que,
a 9 de Junho de 1641, ele participou numa avançada contra Badajoz, sob o
comando de D. Francisco de Sousa, o mesmo que recebera a rendição da guarnição
espanhola do forte de São Julião da Barra. Ora, a dada altura, perto de
Olivença, deu-se um recontro com a cavalaria inimiga e Roque Antunes, com mais
nove camaradas de armas, viu-se cercado. Há duas versões para o aconteceu a
seguir: segundo uma, o homem de Moura foi feito prisioneiro; segundo outra, não
se quis render e continuou a lutar. Mas, para o caso, pouco importa; o que
conta é que os cavaleiros espanhóis lhe gritaram que se rendesse e que, para o
mostrar, bradasse «viva el-rei D. Filipe».
Roque Antunes recusou-se terminantemente. Ao
brado «Quem vive?», respondeu sempre: «Deus e el-rei D. João, meu senhor». E,
perante a insistência dos que o cercavam, acrescentou que «não queria vida» se
o preço fosse reconhecer Filipe IV. Por isso, foi morto.
Narra ainda a história que daquele aperto
conseguiram escapar três soldados portugueses, que lograram chegar a Elvas e aí
contaram o sucedido a Matias de Albuquerque, então governador das armas do
Alentejo, o qual deu ordens para que o corpo de Roque Antunes fosse trazido
para a cidade e sepultado com todas as honras.
Bom. A história está contada. E, perguntarão
os leitores, por que razão a coloquei eu ao lado da referência à notícia de
uma sondagem segundo a qual (note-se que ignoro, de todo, a fiabilidade desta
«apalpação»…) um quarto dos portugueses não se importariam de ver Portugal
integrado na Espanha?
Oh, por nada, por nada, foi só uma lembrança…
Ou talvez fosse a ideia de que este homem que
se deixou matar porque teimava em gritar «Viva D. João IV» não era um nobre nem
um burguês mas sim, ao que tudo indica, um simples homem do povo.
Hoje, como sabemos, os nobres, enquanto tais,
não têm expressão política. Em compensação, há alguns grandes burgueses que
são, de facto, um problema.
João Aguiar
Sem comentários:
Enviar um comentário