segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
EXERCÍCIOS - Scraperboard
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
VIAGENS NA HISTÓRIA - 14
UM SIMPLES SOLDADO
Este mês, a
nossa viagem na História leva-nos a França e ao ano de 1918. Foi, como se sabe,
o último da I Guerra Mundial, mas não foi menos sangrento do que os anteriores.
Portugal
entrara oficialmente no conflito, contra os impérios centrais, em 1916; porém,
na Europa — pois que em África houvera já escaramuças com tropas alemãs —, o
envio do Corpo Expedicionário Português (CEP) só se concretizaria em finais de
Janeiro de 1917. Não vou aqui analisar a fundo os motivos que levaram o Governo
português de então a fazer alinhar o país com um dos blocos beligerantes; regra
geral, aponta-se como principal razão a necessidade de poder defender o império
colonial, sobretudo Angola e Moçambique; pela minha parte, e embora não
recusando a validade dessa perspectiva, suspeito que, a complementá-la, estaria
o desejo da República, então ainda muito recente mas já precocemente
debilitada, abalada por dissensões internas, por uma grave instabilidade e
sérias provações económicas e financeiras, de encontrar uma forma de minimizar
esses problemas contrapondo-lhes um projecto nacional, mobilizador, que
concentrasse interesses e atenções.
Para o caso em
apreço, isso não interessa, de resto. O «caso» em apreço é um só homem, um
jovem camponês transmontano de vinte e dois anos, nascido em Valongo, concelho
de Murça, a quem tinham vestido um uniforme e incorporado no Regimento de
Infantaria 19, de Chaves. Chamava-se Aníbal Augusto Milhais; ficaria, porém, na
História sob o nome de Soldado Milhões.
O rapaz embarcou
para França a 23 de Maio de 1917. Não sabia, evidentemente, que embarcava para
um destino histórico — e lendário, já que os relatos das suas proezas divergem
em vários pontos. Do que não há dúvida é que Aníbal Milhais entrou na galeria
dos heróis portugueses durante a batalha de La Lys, a 9 de Abril de 1918.
Com este nome
designa-se o combate do primeiro dia da grande ofensiva alemã contra a 2ª
Divisão do CEP, como parte da «Operação Georgette», lançada pelo 6º Exército
alemão do general Ludendorff. Foi nesse combate que Milhais ganhou o seu nome
de honra: a bravura que mostrou foi tal que o seu comandante, o major João
Ferreira do Amaral, o abraçou e lhe disse: «Chamas-te Milhais, mas vales
milhões!». E o «Milhões» ficou.
Três meses
depois, em Julho, o Soldado Milhões tornava-se definitivamente célebre: no
campo de Isberg, sozinho, empunhando a sua metralhadora Lewis, cobriu e
protegeu a retirada dos seus camaradas portugueses e de soldados escoceses.
Consta que se houve de tal forma que os alemães pensaram estarem a enfrentar
toda uma unidade inimiga. Em consequência — coisa muito rara — recebeu a Torre
e Espada no próprio campo de batalha, das mãos do general Gomes da Costa. A
esta distinção seguir-se-ia a Cruz de Guerra, a Cruz de Leopoldo da Bélgica e
muitas outras.
Nada disto
impediu que mais tarde, em 1928, o herói emigrasse para o Brasil, para ver se
conseguia sustentar os filhos: uma pátria agradecida NÃO velava por ele… porém,
os portugueses residentes no Brasil abriram uma subscrição a seu favor, para
que pudesse viver dignamente no seu país. E Milhões regressou a Portugal.
Dedicou-se uma vez mais à lavoura, o seu ofício de sempre; e veio a falecer em
1970.
Teve honras
militares; fizeram-lhe um monumento. Mas eu penso, humildemente, que é preciso
algo mais: manter viva a sua memória. Não temos assim tantos como ele para nos
darmos ao luxo de esquecer.
João Aguiar
sábado, 2 de fevereiro de 2013
VIAGENS NA HISTÓRIA - 13
O QUE FALTAVA DIZER
Não é a
primeira vez que, nestas crónicas, abordo a revolução de 1383 – 1385. Aliás, a
crónica do mês passado focava um assunto que lhe está muito próximo, isto é, a
batalha dos Atoleiros. Ora, se volto à mesma época e a um tema já referido
anteriormente, é por duas razões; primeira, nunca é demais recordar um facto
tão importante e que tende a cair no esquecimento; 1383 deveria ser recordado, pelo menos, com o destaque dado ao 25 de
Abril de 1974. Segunda razão: faltava ainda dizer-vos qualquer coisa — o
significado europeu, e mesmo mundial, do que ocorreu durante aqueles dois anos
dos finais do século XIV.
Às vezes, temos
uma visão mais nítida do nosso país quando o olhamos com os olhos de um
estrangeiro. É o que se passa neste caso em relação a um autor pouco conhecido,
o francês Dominique Lelièvre, autor de um livro que passou quase desapercebido:
«Mer et Révolution». A maior parte desta obra não nos traz propriamente
novidades, mesmo porque, na sua maioria, as fontes são portuguesas (a começar
pelo incomparável Fernão Lopes). Porém, ao introduzir o assunto do seu livro
perante os leitores, o autor faz algumas considerações que, regra geral, os
meus compatriotas (aqueles, bem poucos, que conhecem o assunto) nunca fazem,
nem lhes entra sequer na cabeça.
É assim que
Dominique Lelièvre faz notar que os portugueses «foram os únicos na Europa a
conseguir com êxito, à escala de uma nação, uma “revolução burguesa” (1383 –
85)». E, mais adiante, acrescenta: «Se o caso de Portugal é único, não é por
isso menos exemplar, tanto pela vitória conseguida pelas armas com uma táctica
tipicamente “burguesa” já experimentada na Flandres perante os orgulhosos
senhores franceses, como pelos avanços sociais, mesmo que estes hajam sido
minimizados ao longo dos decénios seguintes. Desta “revolução burguesa”, cujo
primeiro mérito é o seu êxito, nasce uma nova dinastia que levará Portugal ao
firmamento dos países descobridores. Estes acontecimentos revolucionários
mereciam ser conhecidos e reconhecidos».
Conhecidos e
reconhecidos: é isso o que faz falta. Tanto a nível internacional como (em
primeiro lugar) a nível nacional. Na Europa, o século XIV, tempo de transição,
foi fértil em levantamentos populares, motins e revoltas. De todos esses
tumultos, os mais conhecidos foram as «jacqueries», em França. As classes
populares queriam libertar-se do jugo da nobreza, os burgueses queriam um lugar
ao Sol. Mas, nesse século XIV, tais movimentos acabaram por ser todos
esmagados; serviram de prelúdio à futura transformação e nada mais. Excepto em
Portugal. Aí — ou melhor, aqui — a revolução venceu; e venceu (o que é muito
importante) de um modo «operacional», isto é: foi possível encontrar um novo
equilíbrio. De modo revolucionário, contra toda a tradição, elegeu-se um novo rei
para que iniciasse uma nova dinastia. O povo reclamou ao Mestre de Avis que os
ricos pagassem taxas, fintas e talhas, tal como os pobres pagavam. Os
mesteirais passaram a estar representados no governo municipal de Lisboa e
outras cidades. O conselho régio deixou de ser somente formado por nobres e
membros do alto clero: os letrados falavam agora mais alto.
Não tenho
espaço, evidentemente, para enumerar as mudanças trazidas pela revolução. O que
importa, repito, é que, na ideia de um escritor não português, esta revolução é
um caso único e exemplar.
O que é
inteiramente correcto. Mas nós, os descendentes de toda aquela gente que fez a
revolução de 83 – 85, teremos acaso uma opinião sobre o assunto? Saberemos,
sequer, de que é que se trata?
É uma dúvida, no
mínimo, angustiante.
João Aguiar
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