sábado, 13 de agosto de 2011

"ENSAIOS" SOBRE HISTÓRIA - sem comentários


Exmª Senhora
Drª Maria de Fátima Marinho
a/c CAMPO DAS LETRAS - Editores
Rua D. Manuel II, 33 -
4050 - 345 PORTO

Oeiras, 17 de Abril de 2000

Li, há dias, na sua obra O Romance Histórico em Portugal, as referências àqueles dos meus livros que se enquadram nessa classificação. Nada tenho a criticar na intenção e no conteúdo do seu texto e, ainda que tivesse, isso não justificaria que a aborrecesse com uma carta. Sucede, porém, que há nesse mesmo texto um erro e é esse erro que pretendo assinalar — mas, acredite, não o faço com o mínimo azedume, que não teria razão de ser; antes num espírito de colaboração, de quem sabe que ninguém está imune a erros e enganos. E como lhe desejo sinceramente uma segunda edição e muitas mais, pode ser que veja interesse em introduzir uma correcção.
O erro encontra-se nas seguintes linhas: «Nos quatro romances acima mencionados, João Aguiar recria as vidas de Viriato, S. Quintiano de Braga, Sertório e Inês de Castro»... e, mais adiante:  «O Trono do Altíssimo foca a vida de S. Quintiano de Braga, personagem que viveu na diocese de Braga, no século IV d.C.»...
O problema está em que S. Quintiano de Braga nunca existiu, foi inventado por mim, como aliás se encontra expresso logo no início das Notas, em O Trono do Altíssimo (pág. 351, na edição da ASA):
«As personagens centrais deste livro — isto é: Quintiano, Secundino, Flávio, Restituto e Vitimer — são fictícias».
Na realidade, o que o romance pretende abordar é a própria heresia priscilianista e aquilo que se sabe da vida de Prisciliano.
Deixe-me repetir que este meu reparo não é, de modo algum, feito com um espírito negativo, bem pelo contrário. Compreendo perfeitamente que lhe haja escapado esta informação, porque possivelmente não leu as Notas, já que estas, claro, não fazem parte do romance. E, por outro lado, a Brácara do século IV é-nos suficientemente obscura para que não tenhamos de saber os nomes dos seus santos históricos. De certo modo, considero até que este erro é para mim um elogio, já que terei dado tanta veracidade ao meu Quintiano que consegui convencê-la da sua existência histórica. No entanto, como estou certo de que pretende o máximo rigor na sua obra, aqui lhe deixo, com amizade, esta indicação.
Posso ainda fazer outro breve comentário? Não se trata já de uma correcção; apenas gostaria que, uma vez que deu atenção aos meus livros, tivesse, para si, uma ideia exacta de certas intenções minhas, ao escrevê-los.
É exacto que, como diz, não há nesses quatro romances «a apresentação de teorias originais ou subversivas sobre as personagens históricas, antes a reprodução romanceada de saberes há muito estabelecidos».
No entanto: no caso de Viriato, uma das minhas razões foi destruir o estereótipo do rude pastor dos Hermínios entrincheirado numa Cava em Viseu, ideia que, como sabe, ainda está razoavelmente implantada (e que eu, certamente muito mais velho que a senhora, aprendi na escola primária). No caso de Sertório, quis, entre outras coisas, rectificar a imagem de um herói dos Lusitanos, sucessor directo de Viriato, imagem que os eruditos sabem ser falsa mas que também é predominante, para quem ouviu falar de Sertório. No caso do Trono, pretendi dar a conhecer uma heresia e uma realidade histórica que são largamente ignoradas e mostrar que a sacrossanta e ortodoxa cidade de Braga teve um bispo herege e foi reduto de uma heresia. E, no caso de Inês, quis — também entre muitas outras coisas — realçar o componente político da história e tratar a sua morte como a execução de uma sentença, cruel embora, e não como um assassínio.
Mas, claro, nada disto contradiz a sua afirmação.
João Aguiar
Museu Britânico - Baixo relevo da Grécia antiga

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