A OCULTAÇÃO
Desta vez, a
viagem na História — ou melhor: as viagens, pois que são várias, reduzem-se a
simples e breves menções que servirão somente para ilustrar um tema. E aqui
estão elas:
Reinado de D.
Afonso II (1211 – 1223): o rei — que convoca as primeiras cortes de que há
notícia no país — inicia uma política de centralização inspirada no direito
romano: tudo e todos (incluindo o próprio soberano) devem estar subordinados à
lei e à coroa, ou seja, ao Estado. É uma ideia singularmente moderna e praticamente
desconhecida na Europa feudal. Reinado de D. Dinis (1279 – 1325): ao contrário
do que sucede em boa parte da Europa continental, os cavaleiros templários,
perseguidos pelo Papa e pelo rei de França, são protegidos pelo rei de
Portugal, que para eles cria a Ordem de Cristo. 1383 – 1385: eclosão e triunfo
em Portugal que uma revolução que coloca o país na vanguarda da evolução
política e social europeia.
Podia continuar
com estas «viagens», mas não será preciso. Importa, agora, verificar que todos
os factos apontados, por significativos e importantes que sejam, e são,
mantém-se larguissimamente ignorados dos europeus em geral e até mesmo os
portugueses não os conhecem bem — bastará dizer que hão-de conhecer muito
melhor o número de calos nos pés de Cristiano Ronaldo.
Chegados aqui,
vamos considerar brevemente um texto de Gilbert Durand, um conhecido e
respeitado autor francês, filósofo, antropólogo, estudioso do imaginário e da
mitologia. Num texto apresentado em 1987, num colóquio em Nova Deli, Durand referia
a «estranha ocultação» da importante presença em Portugal das teorias do famoso
abade calabrês Joaquim de Flora (1132 – 1202) — que, apesar de terem sido
condenadas pela Igreja, tiveram entre nós grande aceitação, pois que delas se
originou o culto popular do Espírito Santo, que ainda hoje tem manifestações em
Tomar, Sintra e Açores. Gilbert Durand espanta-se porque nenhum dos grandes
especialistas europeus sobre o assunto, de René Guénon ao padre Henri de Lubac,
mostram conhecer o «caso português».
Ora bem: essa
lacuna não me espanta, a mim, que já conheço as que atrás referi e muitas
outras ainda. De certo modo, os países pequenos sofrem essa desatenção: para a
maior parte das pessoas, César
Franck, André Cluytens e Johnny Hallyday (!) são franceses, quando, na
realidade, são belgas, pelo menos de origem.
Nave central do Mosteiro de Alcobaça |
Todavia, eu
pergunto-me: serão hoje estas duas razões, pequenez de território e fraqueza
económico-militar, as únicas, para nós? Quer-me parecer que não. A verdade é
que estamos em período de autonegação e de masoquismo endémico; para além da
selecção nacional de futebol, nada nos entusiasma e a nossa afirmação como povo
e país parece-nos coisa ridícula ou, pior, fascista.
Claro, se assim
fosse, toda a Espanha seria
fascista e o mesmo, ou mais, seria verdade para os Estados Unidos.
fascista e o mesmo, ou mais, seria verdade para os Estados Unidos.
Mas o mais
grave de tudo, julgo eu, é que os méritos que apontei e que o mundo ignora
sobranceiro — também nós os ignoramos. Não que sejamos sobranceiros: apenas
ignorantes.
João Aguiar
Bom texto, bonitas imagens. Gostei. Bjs.
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