quinta-feira, 24 de março de 2011

VIAGEM NA HISTÓRIA


Lisboa, diz uma lenda muito antiga, foi fundada por Ulisses. 
E a antiguidade da lenda atesta a antiguidade ainda maior da cidade: de facto, na embocadura do rio Tejo, os vestígios de povoamento humano são bastante anteriores ao ano 2000 antes de Cristo. E se Ulisses não fundou a velha Olisipo, um outro Grego ainda mais ilustre, Platão, terá ouvido falar dela no século IV a. C. Fenícios e Cartagineses usaram o seu porto, os Romanos chamaram-lhe Felicitas Julia, os Alanos, Suevos e Visigodos tiveram-na como sua, os Mouros deram-lhe prosperidade e lustre.
Assim, quando em 1147 o primeiro Rei de Portugal, Afonso Henriques, tomou Lisboa ao Islão, já ela era muitas vezes centenária e - mais importante ainda - já conhecera muitas e diversas existências. Desde o humilde burgo de pescadores a pequena jóia do mundo islâmico, passando por município romano. Depois, como cidade cristã e portuguesa, e mais tarde como capital do reino, todas as vicissitudes históricas do país nela se reflectiram e foi de muitas o cenário principal. Foi nas suas ruas que em fins do séc. XIV, mais precisamente em 1383, o povo se juntou para - quiçá pela primeira vez na história do Ocidente - dar início a uma revolução verdadeiramente moderna, contra o velho mundo feudal, exigindo que as seculares leis da sucessão dinástica, que iam colocar no trono um príncipe estrangeiro, fossem submetidas à vontade popular de ter um Rei nacional. Foi das suas praias que partiram as armadas que ligaram a Europa ao Extremo Oriente. Foi também, logo após o horror do grande terramoto de 1755, que Lisboa deu o exemplo de uma cidade a renascer, literalmente, das suas cinzas, com uma urbanização nova e avançada, ainda hoje bem visível na chamada «Baixa Pombalina».

J. SOUSA - Renascer óleo sobre tela 50x35
Todas estas vidas deixaram as suas marcas. E não são apenas os vestígios arqueológicos e históricos: se as cidades têm uma alma, então a alma de Lisboa é feita de várias cores, tempos diversos e respirações diferentes.
Descobrir essa variedade é, portanto, descobrir a alma de Lisboa. As referências à expansão portuguesa e ao «tempo imperial» serão, evidentemente, as mais conhecidas, como o moderno Padrão dos Descobrimentos ou a Torre de Belém, obra-prima do estilo manuelino que reflecte e evoca, por si só, todo o legado e toda a vivência das navegações de longo curso. Mas o esplendor barroco e neo-clássico da Basílica da Estrela, bem como a sóbria, quase severa harmonia da igreja e mosteiro de São Vicente de Fora ou da Praça do Comércio - junto da qual se ergueu outrora o grande palácio real do tempo dos Descobrimentos - são outras experiências que um visitante atento não deverá perder.
Esse visitante atento não deverá perder também aquela outra Lisboa, medieval, que se vê e se respira nas ruínas do Convento do Carmo ou nas ruelas torcidas dos velhos bairros de Alfama e do Castelo. E, claro está, no próprio Castelo de São Jorge, o verdadeiro «berço» desta cidade. Sob as suas muralhas esconde-se a fortificação inicial, muito anterior à chegada dos Romanos. Dentro do seu recinto ergueu-se aquela que foi, até ao séc. XVI, uma das principais residências dos Reis de Portugal. Ali morreu D. João I, ali nasceram D. João II e D. João III. Ali nasceu, também, o teatro português, pois foi nessa residência que o grande dramaturgo Gil Vicente apresentou a sua primeira obra.
Estes e muitos outros locais deverão ser visitados com atenção por quem quiser conhecer verdadeiramente a cidade. Diz-se, por vezes, que a alma de Lisboa é o fado, a canção que ela gerou nas suas entranhas, fruto de infinitos cruzamentos de sensibilidades e tradições. Mas se é verdade que o fado foi gerado pela alma lisboeta, ela não se esgota nos acordes da canção. E talvez que o estrangeiro vindo de longe não seja sensível à sua cadência nem ao seu pranto rouco. Porém, esse mesmo estrangeiro não poderá deixar de sentir a cidade ao caminhar pelas suas ruas, ao observar as suas casas, ao sentir o seu pulsar e ao respirar a sua atmosfera.
Essa, sim, é uma experiência que vale a pena.
João Aguiar

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