Primeiro exercício em Scraperboard preto 15x10cm
quinta-feira, 21 de junho de 2012
sexta-feira, 8 de junho de 2012
sexta-feira, 1 de junho de 2012
PEQUENOS TEXTOS - Pranchas V
INICIAÇÃO MASCULINA,
INICIAÇÃO FEMININA
Venerável Mestre, queridos Irmãos, como é do
conhecimento de todos esta prancha é simplesmente o resumo da conferência que
fiz recentemente na Grande Loja, a convite do nosso muito respeitável
Grão-Mestre.
Devo explicar a razão primeira que me levou à
escolha do tema, «Iniciação masculina, iniciação feminina». E começarei por
citar um texto maçónico da Grande Loja Regular de Portugal (adaptação, salvo
erro, de um texto francês) que diz: «A Maçonaria autêntica é essencialmente um
Rito. O Rito tem por finalidade fazer ascender o adepto à Iniciação».
Aqui, o termo «Iniciação» ultrapassa as fronteiras
estreitas da iniciação no grau de Aprendiz maçon. Com efeito, o texto prossegue
dizendo: «Essa Iniciação tem por objectivo, como em todas as outras Tradições,
desligar o homem dos limites do seu estado humano e tornar efectiva a capacidade
que ele recebeu de aceder aos estados superiores graças a Ritos rigorosos e
precisos, de uma forma activa e durável».
Tenho de dizer que, embora não discuta esta
definição, ela parece-me um pouco restritiva, na medida em que considera
somente o «Rito rigoroso e preciso» e não abrange, portanto, aquele outro
aspecto que é ser a Maçonaria especulativa, tal como não menciona a dinâmica
entre o esforço individual de cada maçon e o esforço colectivo de toda a loja;
entre indivíduo e egrégora. Não nos fala, enfim, da Busca, da Demanda
espiritual que é o caminho de cada verdadeiro maçon. Mas o facto de a definição
ser demasiado restritiva não lhe retira validade. E temos pois que Maçonaria é
— Iniciação. E se não é Iniciação, não é nada.
Quero eu dizer com isto que não são precisos
rituais, nem paramentos, nem alfaias — não é precisa uma Ordem para fazer boas
obras, para defender a verdade e a justiça, para ser tolerante, para praticar
convivências fraternais. Tudo isso é resolúvel quer em acções individuais quer
em associações profanas. É a Iniciação que distingue e define a Maçonaria.
Como se sabe, a Maçonaria não é a única via iniciática.
A este respeito, gosto de citar Richard Dupuy, que foi grão-mestre da Grande
Loja de França (uma obediência irregular, mas trabalhando, como se costuma
dizer, «para a glória do Grande Arquitecto do Universo»): escreveu ele que a
Maçonaria «é somente uma das correntes do largo rio que conduz ao Conhecimento».
Ora, no caso específico da Maçonaria regular, ela é
uma corrente, é uma via que se mantém fechada às mulheres. O que levou à
formação de obediências irregulares como a Maçonaria Feminina e o Direito Humano,
que é misto.
Julgo que desde muito cedo — tanto quanto sei, desde
o século XVIII, pelo menos — houve mulheres interessadas na iniciação maçónica.
Aliás, cabe aqui tomarmos consciência de que desde sempre houve mulheres
interessadas na Iniciação, em sentido mais lato. A iniciação feminina existiu
nas sociedades antigas; julgo saber que ela existe ainda hoje em sociedades
chamadas tradicionais ou que pertencem àquele género a que se chamou «o primitivo
actual». No Ocidente, porém, a tradição iniciática exclusivamente feminina
parece ter-se perdido há muito.
Quando, há anos, fui admitido à Ordem maçónica
regular, pensei então, confesso-o, que a insistência da regularidade em excluir
as mulheres já não se justificava. Era, considerava eu, o vestígio histórico de
uma era passada. Por outro lado, o respeito pela mulher, proclamado em certos e
raros passos do ritual maçónico — refiro-me essencialmente ao do REAA —
esse respeito, dizia eu, não me parecia (e, devo dizer, ainda não me parece)
suficientemente afirmativo ou expressivo. A atitude fundamental da Obediência
regular perante a mulher é, ainda e sempre, de subalternização. A mulher é
considerada apenas como «a companheira do homem»; ou, no aspecto que nos
interessa, a «companheira do Irmão maçon». Sem existência própria, digamos; sem
peso próprio — sem individualidade.
Independentemente da gritante desadequação desta
atitude ao tempo actual, resta aquilo que eu, nos meus primeiros tempos de vida
maçónica, classificava como injustiça; porque, raciocinava então, se
recusava à mulher o caminho da Iniciação e isto sem outro motivo que não fosse
um costume ultrapassado e esvaziado de real conteúdo.
Hoje em dia, porém, a minha opinião alterou-se — em
parte. Não, devo acentuar, não no que se refere à atitude subalternizante em
relação à mulher, pois que nesse domínio continuo a pensar como pensava; mas em
relação ao motivo profundo da recusa da iniciação maçónica das mulheres.
Essa mudança de opinião deveu-se a um conjunto de
factos, de leituras e de raciocínios. Entre os factos, mencionarei uma visita
feita à Respeitável Loja Europa pelo nosso Irmão, o cineasta, escritor e
arquitecto António de Macedo, que, embora na situação de «adormecido», aceitou
um convite que a Loja lhe dirigiu; entre as leituras, mencionarei, sem carácter
de exclusividade, o seu excelente livro «Instruções Iniciáticas». E entre os
raciocínios a que me entreguei figuram os seguintes:
A questão essencial, penso, reside no tipo de
iniciação que é o maçónico. Não está, de todo, em questão o valor iniciático da
mulher, nem a sua capacidade. Estou convicto, também, de que na
complementaridade homem-mulher não há posições subalternas.
Tenho a consciência de que alguns poderão objectar
com um argumento bíblico tirado do «Génesis». Refiro-me ao episódio da criação
da mulher a partir da costela de Adão, para que o homem pudesse ter uma
companheira. O que, claramente, traduz, de facto, uma subalternidade: a
mulher criada em segundo lugar, só porque Deus (Yaveh) achou que, afinal de
contas, não convinha que o homem
ficasse sozinho no jardim do Éden.
Sucede, porém, que, no «Génesis», não há apenas uma
história da criação do homem e sim duas, justapostas e muito diferentes.
Essas duas histórias — a este respeito convirá ler as anotações publicadas na
edição da «Bíblia de Jerusalém» — pertencem a tradições redaccionais
diferentes: uma designada «yavista», porque os seus textos referem Deus como
Yaveh, e outra designada «eloista», em que Deus é referido como Elohim. Pois
bem: é na tradição yavista que surge a costela de Adão e essa história vem, no
livro, em segundo lugar. O início do «Génesis» pertence à tradição
eloista, sacerdotal, e nele se conta que:
Deus (ou Elohim) criou o homem à sua imagem,
Criou-o à imagem de Deus,
Criou-os homem e mulher.
Temos aqui uma criação dos sexos simultânea, sem
subalternidades. E parece-me significativo que esta seja a primeira versão a
ser apresentada; como se a segunda fosse um acrescento. Portanto, à criação do
Homem por Yaveh, posso contrapor a criação do Homem e da Mulher por Elohim.
Dito isto, e retornando ao nosso tema central: o que
me parece, hoje, ao contrário do que pensava há poucos anos, é que a iniciação
maçónica, diversamente de outras iniciações, é por essência masculina.
Admito que há outras linhas iniciáticas mistas; e
não lhes contesto a validade, nem o poderia fazer, pois, recordo, a Maçonaria é
apenas uma via para a Iniciação. Mas sem dúvida é uma via masculina; é-o
pela tradição em que se filia e que é a dos construtores; e é-o pelo ritual. Os
Ritos da Ordem Maçónica foram concebidos ou formaram-se para actuar, digamos,
magicamente (não confundamos magia com feitiçaria) sobre comunidades
masculinas, e não outras. Ora, um ritual definido para ser executado por, e
para agir sobre, indivíduos do sexo masculino, dificilmente se adequa a
indivíduos do sexo feminino. Igualdade entre sexos não é sinónimo de mesmidade
— há dissemelhanças importantes a nível físico e a nível psíquico. E são essas
dissemelhanças que criam a complementaridade, como são elas que asseguram a
enorme riqueza do género humano.
Isto não traduz uma «condenação» das maçonarias
feminina e mista. Condenar é não-tolerar; e embora eu não acredite na
tolerância sem limites, porque ela nos abriria as portas ao próprio mal e se
transformaria rapidamente em cumplicidade, afigura-se-me que a questão da
iniciação maçónica feminina se coloca dentro dos limites da tolerância e
da compreensão, embora se mantenha necessariamente fora dos limites da
regularidade.
Fica assim claro que não é minha intenção atacar, de
qualquer forma, a iniciação maçónica de mulheres. Ao mesmo tempo, contudo,
tenho de admitir a justeza das palavras de António de Macedo, entre outros,
quando diz (não estou a citá-lo ipsis verbis, mas tão somente a
transmitir o sentido geral) que tal iniciação comporta dois riscos: o risco mundano
de, por falta de adequação do ritual, transformar-se a loja feminina em pouco
mais que uma comissão organizadora de festas, como sucedeu no tempo da
imperatriz Josefina, mulher de Napoleão I, e o risco, mais elevado, de, por
falta dessa mesma adequação, se entrar em desequilíbrio espiritual.
A iniciação maçónica segue a tradição dos
construtores, que é como quem diz, dos carpinteiros, talhadores de pedra e
arquitectos; uma tradição que, evidentemente, é não só material como também
espiritual, porque estes ofícios materiais têm correspondências num nível
superior, espiritual e arquetípico. Há mesmo quem fale numa antiga «Ordem de
Construtores», julgo que não clara e nitidamente estruturada; possivelmente inorgânica,
geograficamente dispersa, feita apenas de vivências, tradições e rituais, mas
sem uma organização propriamente dita. Em todo o caso, dela acabaria por
emergir, através de diversas vicissitudes, a própria Maçonaria, nascida, ao que
se julga saber, nas corporações de pedreiros e construtores.
Ora, a par dessa Ordem de Construtores, haveria uma Ordem
de Tecedeiras, com características semelhantes e representando a
correspondente linha iniciática feminina. Este símbolo do tecido é muito
rico e não poderei, aqui e agora, explorá-lo completamente, em todos os seus
aspectos; basta, porém, considerar a tradição das tecedeiras a par da
tradição dos construtores.
No fundo, trata-se de dois aspectos diferentes mas
complementares de uma mesma evolução física e espiritual. Trata-se, nos dois
casos, de vestir o Homem. O vestir, em sentido lato, é talvez o
primeiro grande passo no trajecto do Homem enquanto Homem, evoluindo no sentido
de uma crescente individuação. Nesse caminho, que é tanto físico como espiritual
— porque «o que está em cima é como o que está em baixo» —, ele necessitará de
se proteger. Começará por vestir-se de peles — o primeiro «véu», o primeiro
«muro de protecção e de individuação» em relação ao meio natural, tal como de
peles, ramos e madeira fará o outro «muro», os seus primeiros abrigos temporários.
Pois bem: neste processo de individuação vão intervir, de forma decisiva, as
duas grandes tradições de que falámos: tecedeiras e construtores. As primeiras
fabricando os tecidos a partir de fios de origem animal ou vegetal, que
substituirão em boa parte as peles e que fornecerão vestes, tapeçarias e
cortinados — vestes para as pessoas e para as casas e templos; os segundos
construindo, primeiro com elementos vegetais, madeira e ramos, depois com
elementos minerais, pedra e tijolo, não só a casa como — o templo. E, sempre
tendo em conta as correspondências entre «o que está em baixo» e «o que está em
cima», irão surgir em cada uma destas tradições as respectivas linhas
iniciáticas. E haverá uma «gnose da tecelagem» e uma «gnose da construção».
Duas Ordens distintas, mas que se completam e que, afinal, trabalham para o
mesmo fim, com instrumentos diferentes e decerto com rituais diversos, porém
visando o mesmo Conhecimento.
A Ordem dos Construtores, como foi dito, acabou, não
interessa agora por que vias, por inspirar o surgimento da Maçonaria. Todavia,
a Ordem das Tecedeiras foi menos feliz. O grande mito das Tecedeiras é a Lenda
de Aracne e esta constitui um mito de ruptura e não de criação. Esse mito foi
narrado por Ovídio nas suas Metamorfoses e conta como a jovem Aracne, a
mais hábil das tecedeiras mortais, se atreveu a entrar em competição com a
deusa Atena. Para abreviar uma história que, aliás, também é muito rica em
simbolismo, direi, simplesmente, que Aracne se arrogou a competir com Atena na
arte da tapeçaria; que a deusa, em cólera, destruiu os trabalhos da mortal e
lhe bateu com a lançadeira; e que Aracne acabou por enforcar-se. Atena não
permitiu que ela morresse e transformou-a em Aranha.
Segundo afirma António de Macedo, a linha iniciática
das Tecedeiras rompeu-se aqui — e quando uma linha iniciática se rompe, não há
remédio, o fio não pode ser reatado.
Como já disse claramente, eu não só respeito
muitíssimo a sua opinião como reconheço a alta qualidade dos seus livros, e,
nomeadamente, de «Instruções Iniciática». Entretanto, não posso deixar de me
perguntar se a ruptura terá sido, de facto, completa e/ou se ela se terá verificado
tão cedo quanto a lenda cantada por Ovídio dá a entender.
Ou seja: terá a ruptura da linha das Tecedeiras sido
total nessa época, tão remota que nos é impossível situá-la? Esta minha
pergunta baseia-se na observação de um facto bastante mais moderno. Na
Sagrada Família parecem encontrar-se ainda, lado a lado, as duas Ordens, as
duas linhas iniciáticas, feminina
e masculina, de Tecedeiras e Construtores.
Consideremos São José, o Carpinteiro. Convirá
reter este ofício. As menções que lhe são feitas nos textos canónicos da Bíblia
são muito escassas. Por mim, apenas conheço aquela que está no Evangelho de S.
Mateus, 13,55: «Todos se enchiam de assombro e diziam: “De onde Lhe vem esta
sabedoria e o poder de fazer milagres? Não é Ele o filho do carpinteiro?”». Em
contrapartida, nos evangelhos chamados apócrifos as menções são mais
abundantes: no Pseudo-Mateus diz-se claramente que José era carpinteiro; e um
outro apócrifo tem mesmo como título «História de José o Carpinteiro». Neste
ponto, coloquemos uma questão: como é que um membro da estirpe real de David —
segundo as genealogias apresentadas por S. Mateus e S. Lucas — é um pobre
carpinteiro?
Resposta possível: é que a escolha deste ofício
atribuído a S. José seria simbólica. Num sentido superior e também histórico,
«carpinteiro» não se distingue fundamentalmente de «talhador de pedra», nem de
«arquitecto» — ou seja, de construtor. René Guénon aborda o tema dos carpinteiros
e pedreiros, ou maçons, para assinalar que os carpinteiros foram, geralmente,
os primeiros construtores, visto que, quase sempre, as construções de madeira
antecederam as de pedra. E podemos facilmente extrapolar do domínio físico para
o domínio espiritual: o carpinteiro iniciou uma via que o pedreiro prosseguiu;
mas ambos pertencem, evidentemente, à Ordem dos Construtores.
Bom: temos Jesus com um pai (um pai putativo,
segundo as várias igrejas cristãs) que era Carpinteiro, ou seja, inserido na
ordem dos construtores. E a Mãe? Maria, a Virgem-Mãe?
As referências a Maria nos Evangelhos canónicos são,
sem dúvida, mais abundantes que as referências a São José, mas também não são
propriamente numerosas ou extensas. Mais uma vez, são os apócrifos que
preenchem essa lacuna e citarei, como exemplos, o Protoevangelho de Tiago, o
Pseudo-Mateus, a Natividade de Maria, o Evangelho Árabe da Infância.
Chamo, agora, a vossa atenção para certas passagens
de alguns destes apócrifos. No Protoevangelho de Tiago temos:
«As jovens entraram no templo do Senhor e o grande
sacerdote disse: “Tiremos à sorte para saber quem tecerá o ouro, (…) o linho
fino, a seda, (…) a escarlata e a púrpura autêntica”. E a púrpura e a escarlata
couberam a Maria e depois de as recolher voltou para casa» (X.1).
«…E ela olhou em redor, para a direita e para a
esquerda, a ver de onde provinha a voz. E temerosa, voltou para sua casa,
deixou o cântaro e pegando na púrpura sentou-se e começou a tecer» (XI.1).
«… E ela talhou a púrpura e a escarlata e levou-as
ao sacerdote. E este abençoou-a (...). (XII.1)
Passando ao Evangelho do Pseudo-Mateus:
«Maria era a admiração de todo o povo (…). O seu
rosto resplandecia como a neve até que quase não se podia olhar para ela
fixamente. Esforçava-se trabalhando a lã…» (VI.1).
«(…) Da hora terça até à hora nona, ocupava-se a
tecer…» (VI.2).
«(…) E assim aconteceu que Maria recebeu a púrpura para
fazer o véu do Templo» (VIII.5).
«De novo, no terceiro dia, enquanto tecia a púrpura
com os seus dedos…» (IX.2)
Portanto, segundo uma certa tradição cristã, Jesus
era filho (segundo o mundo) de um Carpinteiro — ou seja, e como vimos, de um
construtor — e de uma Tecedeira.
As duas ordens existindo a par e colaborando entre
si. Completando-se.
O problema é que a linha iniciática das Tecedeiras
se rompeu, de facto. Pode ser que ela se tenha mantido, de uma ou outra forma,
até ao período histórico dos primeiros tempos do Cristianismo, mas não deixa de
ser verdade que, presentemente, essa linha perdeu-se.
E isto é grave. Não admira, aliás, que, perante uma
tal ausência, as mulheres que sintam uma verdadeira vocação iniciática do tipo,
digamos, maçónico procurem resolver essa necessidade espiritual de qualquer
forma, quer aderindo a Ordens ou Fraternidades mistas quer criando maçonarias
femininas irregulares. Mas quando afirmei que era grave a ruptura da tradição
das Tecedeiras, referia-me também, quase diria sobretudo, a outro aspecto: eu
penso que isto é grave para a própria Maçonaria regular. Porque se
quebrou aquela Tradição que a complementava em igualdade. Porque construtores e
tecedeiras já não estão lado a lado, porque se rompeu o equilíbrio fundamental
do tempo mítico.
Admitindo por um breve instante que tenho alguma
razão em tudo quanto disse, o que será possível fazer perante esta situação?
Só posso responder com duas perguntas. A primeira
refere-se à ruptura da linha iniciática das Tecedeiras: será, de facto,
irreversível essa ruptura? Uma linha quebrada não pode mesmo ser reatada?
Bem sei que, à partida, faltará, praticamente, tudo
— a começar pelas noções do próprio ritual, pois, se ritual houve, nada sabemos
sobre ele, nem sobre os graus que possa ter havido — e estas questões não se
resolvem pela simples fantasia ou pela imaginação; tem de haver uma razão
profunda para os actos rituais como para o estabelecimento de graus e de oficiantes,
tal como tem de haver um conteúdo e uma razão profunda na procura da verdade iniciática,
na busca do Conhecimento. E se tudo isso se perdeu, a grande dúvida estará em
como recuperá-lo. A menos que seja por eventual — e imprevisível — intervenção
de entidades superiores, cujos desígnios nos escapam. Ou — talvez? — por um
esforço deliberado que seja, ao mesmo tempo, estudo e pesquisa, intuição e inspiração.
É esta, julgo, a grande esperança. Pensemos na criação dos vários ritos
maçónicos e dos seus respectivos rituais: pensemos no modo como eles se formaram.
Certamente, alguma coisa poderá ser aprendida aí.
A segunda pergunta prende-se com uma outra questão.
É fora de dúvida que a iniciação feminina diz respeito, antes de mais — às
mulheres. Por isso, se houver uma qualquer possibilidade de restaurar a linha
iniciática das Tecedeiras ou de criar uma Ordem que dela possa ser considerada
herdeira legítima, essa possibilidade repousa, antes de mais, em mãos femininas.
Chego, porém, agora, à segunda pergunta, que aliás encerra esta prancha: não
poderá e, até, não deverá a Maçonaria regular tentar auxiliar esse esforço, ou
mesmo ajudar a lançar essa ideia? E dar um contributo, por exemplo, em matéria
de pesquisa?
A questão não é ociosa, parece-me, porque,
justamente, eu considero que a nossa Ordem é parte interessada nesse processo.
Pelas razões que já mencionei e também, ou talvez sobretudo, porque há dois
sexos, certamente, mas, com igual certeza, há uma só Humanidade. Pelo
menos neste planeta. E a Maçonaria considera, sempre considerou, ter deveres e
responsabilidades para com essa Humanidade, no seu conjunto.
Disse, V.M.
João Aguiar
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